Capítulo 5: Família

 Algum tempo se passou desde que o casal encontrou Nanaki, a garota ainda sentia-se desconfortável ao novo ambiente, não por conta do tratamento que recebia, o qual era como se fosse parte da família, mas sim por causa dos traumas que assolavam sua mente.

 Em uma noite de nevasca, a raposa estava a dormir em um quarto de hóspedes, sua expressão de dor e suor escorrendo pelo rosto expressavam um pesadelo.

 Ela revivia o dia em que perdera sua casa, a cena de suas irmãs tendo seus corpos pendurados em lanças, empaladas e levadas por um grupo desconhecido, os gritos de sua mãe, tudo desaparecia em meio às chamas. Quando a imagem do fogo ficou mais forte em seu sonho, ela despertou, totalmente assustada pelas lembranças. O fogo significava, acima de tudo, a destruição e a dor da perda para Nanaki.

 A garota respirou pesadamente e, antes de notar, suas mãos estavam envoltas em chamas, fazendo-a gritar e rolar no chão. O desespero fazia esse fogo se espalhar pelo seu corpo, mas, por algum motivo, apenas ela era afetada, sem nada queimar ao seu redor.

 Mako e Yuugo chegam ao quarto onde Nanaki está e surpreendem-se com a cena, o corpo dela estava em chamas, mas não havia sinais de queimaduras.

- Nanaki! - Mako corre para socorrer à garota, tentando acalmá-la, porém a mente estava em fragalhos, presa ao passado. Mako a abraça e começa a acariciá-la. - Calma, foi só um pesadelo, tudo vai ficar bem, ninguém mais vai te machucar. - Nanaki continua a se debater, o fogo aumentava e começava a emitir calor. - Foi doloroso, posso imaginar, mas não precisa carregar essa dor mais sozinha.

 Yuugo se aproxima e abraça Nanaki também, o calor ficava cada vez mais intenso até começar a doer, porém o casal não soltava a garota, por mais que pudessem ser feridos por isso.

 - Nanaki, podemos não entender o quão doloroso foi para você, mas o que a Mako disse é verdade, você não está sozinha, pode se abrir conosco. - Após as palavras da dupla serem emitidas, o calor vai gradativamente reduzindo até o fogo cessar. A garota recobre a noção das coisas e percebe as queimaduras em Mako e Yuugo, não sabendo o que fazer.

 - Me, me desculpa. - Ela se separa do abraço deles e corre do quarto com lágrimas nos olhos.

 - Nanaki, espera! - Mako tenta estender os braços para alcançar a garota, porém seus braços passam a doer pelas queimaduras. - Essa não, precisamos nos curar rápido, Yuugo. - O homem concorda e uma luz emana do quarto.

 Nanaki continua apressada, sem perceber em seus arredores e continuava esbarrando nas coisas, o que acordou a pequena Yuuki.

 -... Maninha? Tá brincando agora? - Ela tenta chamar a outra, porém é ignorada. Yuuki começa a seguí-la, crendo ser uma brincadeira.

 - "Eu não mereço ter sobrevivido, por minha culpa as pessoas somem. Mamãe, cadê você?" - As dúvidas em sua mente sumiam junto a neve que caía ao redor da casa. - "Eu perco tudo o que me importo, não quero isso mais." - O olhar de Nanaki fica cada vez mais vazio, seus passos estavam mais lentos até ela cair em meio a neve.

 - Ei, saca só. Uma raposa aqui, são Mythis muito raros, uma criança dessas pode render uma quantidade interessante. - A voz de um homem pôde ser ouvida, apesar da apatia presente no rosto de Nanaki.

- Com certeza, deve estar sozinha ainda, por só existirem fêmeas desse tipo, elas são populares entre colecionadores.

- "O que é isso? São sequestradores? Minha mamãe já falou algo sobre isso.." - Por trás dos olhos sem vida, havia uma imensidão de pensamentos negativos, como se ele estivesse desistindo de si mesma. - "Talvez assim eu não perca mais ninguém... tudo o que se aproxima de mim, some sem motivo."

- Maninha? Quem são esses? - Uma voz suave faz Nanaki recobrar a conciência e ela olha para o lado, identificando Yuuki que a seguiu até esse fatídico lugar.

 - Yuuki...

 - Olha só, uma criança das neves. Com essa idade, se for bem criada pode ser um bom investimento. - Um dos homens se aproxima da garotinha que não fazia ideia do que acontecia, porém sua expressão parecia gradativamente mais assustada. Ao observar a feição da menor, algo começou a afetar Nanaki.

 - "Yuuki? Vão levar ela também? O que é esse aperto no meu peito?" - Os questionamentos surgiam na mente da garota, quem não entendia a sensação que estava a sentir. Ela não pertenciam àquele lugar, era apenas uma existência sem sentido, que não merecia viver, então por que seu peito doía tanto?

- P-pode devolvê minha maninha, por favor? - Mesmo com temor em seus olhos, ela tenta pedir educadamente, até ser chutada e cair ao chão.

- Ei, não danifique a mercadoria, mesmo sendo uma criança, precisamos dela apresentável.

- Perdão, mas aquele rosto de medo me irrita demais.

 Os olhos de Nanaki vidraram no corpo caído de Yuuki caído em meio a neve. "É só uma criança, por que faziam isso?" foi o pensamento presente nela. Seu corpo começou a queimar e seus dentes cerraram.

- "Entendi... o que eu sinto é medo, medo de perder tudo de novo." - Leves lágrimas caem dos olhos da garota, mas logo evaporam em sua pele. - "Eu... não quero isso!" - O calor foi liberado de forma súbita, queimando as mãos do homem que a segurava e então fogo começou a ser emitido ao redor de Nanaki, derretendo imediatamente a neve ao redor dela.

- Aaaaah, maldita! Quer morrer?! Minhas mãos! Que magia é essa? - Um dos homens recua e coloca as mãos na área onde ainda havia neve. - Ei, vamos ignorar a raposa e só levar a garota da nevasca. Não ligo mais para essa pirralha! Mate ela!

 Ao mencionar isso, os dois cercam Nanaki que estava sendo rodeada por chamas, seus olhos estavam com uma expressão de fúria enquanto as chamas expandiam-se ao ponto de quase acertar aos dois homens.

 - Chega de brincadeira! Se deseja tanto assim, vamos te matar. - Eles apontam a palma de suas mãos e começam a proferir palavras. - Emissio: Torrens! - Eles liberam um poderoso vórtice de água que envolveu às chamas de Nanaki a ponto de uma alta concentração de vapor ser liberado. 


 - Saiam daqui! - Os gritos de desespero da garota fizeram as chamas intensificarem-se e expandirem de forma que quase atingiu a dupla de agressores, que apenas ficaram enfurecidos e aumentaram o poder.

 - Morra de uma vez! - Após essa proclamação, o fogo foi atravessado pelo vórtice e Nanaki foi atingida em cheio, perdendo a consciência.

 - Maninha! - Os gritos de preocupação de Yuuki foram as últimas coisas a serem ouvidos antes da visão de Nanaki escurecer e o ar em seus pulmões ser retirado.

 Os dois homens viram a raposa cair inconsciente no chão, porém aquele que teve suas mãos queimadas a encarou com ódio em seu rosto, começando a chutá-la.

 - Acha que isso basta para compensar os danos?! Levanta, quero te quebrar por completo!

 Quanto mais chutes Nanaki recebia, mais furioso o homem tornava-se até atingir o ponto em que ele tentou pisotear a cabeça dela. Antes dessa atitude ser concretizada, a neve antes derretida pela garota voltou a cair, porém gradativamente transformava-se em uma nevasca, da qual duas figuras emergiram, com feições frias, porém emanavam perigo.

 - Ora, ora. Vejo que se divertem machucando aos mais fracos, não basta invadirem nossas terras, como ameaçam nossa família. - A voz feminina afirmou com um tom claro de raiva presente, mascarado por uma risada despreocupada.

- E além disso, ousam ir contra o Pacto das 7 Nações. Não há meios para redimir por seus crimes. Se queriam irritar a mim, conseguiram. Não haverá qualquer perdão por suas ações contra nossas filhas.

- Filhas? Espera aí...

 - Mamãe, papai, a maninha, ela tá ferida! - Yuuki enquanto aproxima-se do corpo da raposa, totalmente preocupada, o olhar do casal ficou completamente vazio, a neve ficou mais densa e tudo foi envolto pelo branco, apenas gritos de desespero puderam ser ouvidos.

 Algumas horas mais tarde, Nanaki abre os olhos lentamente, a visão aos poucos deixava de estar tão embaçada e logo reconhece o teto que encarava.

 - Yuuki! - Ela tenta se levantar, mas um par de mãos gentis a coloca de volta na cama.

- Calma, tá tudo bem, Nanaki. A Yuuki tá aqui também, vocês estão seguras, estão em casa. - Uma voz gentil voltou a envolver à garota, quem olha para o lado da cama e nota Yuuki ao seu lado, dormindo enquanto segurava a mão dela. Além disso, a dona da voz estava sentada do outro lado da cama, a mulher de cabelos azulados mostrava seu habitual sorriso.

 - Maninha... - A menor murmurava enquanto dormia, chamando a atenção de Nanaki. Ela nunca havia parado para notar a forma como Yuuki a chama, uma vez que sempre esteve presa ao passado e às suas perdas dolorosas.

 Após uma batida na porta, Yuugo entra carregando uma bandeja com chá, apesar de desastradamente andar. As criadas da família entram logo em seguida, para garantir que nada caísse no chão.

-Senhor Yuugo, não precisa se preocupar com essas formalidades, deixe-nos fazer isso. - A chefe das empregadas pede, porém o homem nega com a cabeça.
 
- Nada disso, preciso fazer alguma coisa paternal pelas minhas garotas, já estou quase lá. - A teimosia dele aumenta a cada passo, até que ele tropeça e a bandeja com o bule e as xícaras quase cai ao chão, porém as empregadas adiantam-se e pegam em plena queda e encaram o patrão, que desvia o olhar. - Eu estava apenas testando seus reflexos, fizeram bem. - Ele começa a tossir para esconder a vergonha, suspira e encara Nanaki. - Estamos felizes que vocês duas estão seguras.

- Por que? - a raposa abaixa o rosto, não sabendo como encarar ao casal. - Por que me salvaram? Minha vida não tem valor algum, não há motivo pra vocês fazerem tudo isso! - As lágrimas começaram a rolar pelos olhos dela, até que recebe um peteleco na testa de Mako.

 - Nanaki, sua vida não tem valor? Não temos motivos? Tudo isso são ideias que você mesma criou. Por que acha que você vive aqui há tanto tempo? Por que acredita que aceitamos você na família? Sua vida nos deu uma nova alegria. - Essa frase fez a garota pela primeira vez olhar Mako nos olhos por vontade própria.

 - Alegria? - Essa palavra a deixou confusa, uma vez que nunca sentiu haver qualquer função naquele lugar.

 - Assim que vimos você em meio aos escombros, sentimos uma conexão imediata. Foi um milagre em nossas vidas ter encontrado você. É um amor que não tem a ver com laços de sangue. Desde aquele dia, pensamos que a Luz nos agraciou com outra filha.

 - A Mako diz a verdade. Sempre fizemos questão de não diferenciar vocês duas quanto ao afeto. Queríamos que não se sentisse pressionada aqui. Para salvar você ou a Yuuki, não precisamos de motivos, proteger suas crianças é o dever dos pais. - Yuugo se pronuncia após alguns instantes em silêncio.

- Mas, eu não consigo esquecer minha família. Aqueles gritos, o medo e o... - As lágrimas no rosto dela começam a se intensificar, porém ela é abraçada por Mako.

 - Não precisa esquecer sua antiga família, pelas suas lágrimas, posso perceber o quanto você amou ela. Não precisa nos ver como seus pais também, só nos deixe cuidar de você. Queremos estar aqui para te apoiar e dividir a dor. Não precisa mais segurar a tristeza, deixe tudo fluir. - Após dizer isso, Nanaki começa a chorar ainda mais fortemente, Yuugo e Mako a abraçam, um de cada lado, até as lágrimas cessarem e a garota cair no sono. 

 Pela primeira vez desde que passou a morar com o casal, Nanaki não teve pesadelos, mas um sono reparador. Ela percebeu que não estava mais sozinha.

 Depois desse evento, ela começou a aceitar melhor o seu dia a dia. Enquanto crescia junto a Yuuki, ambas desenvolveram uma forte afeição uma à outra, a ponto de Nanaki a tratá-la como se fosse sua irmã de sangue. 

 Quando Yuuki completou seus 8 anos, ela passou a receber aulas especiais de Yuugo para cultivar suas habilidades de dama das neves, enquanto Nanaki tinha a supervisão de Mako para aprender sobre magia. Desde esse dia, já havia se passado 1 ano.

 - Escute bem, Nanaki. O uso da magia gira em torno de utilizar as palavras especiais e controlar suas emoções. Se utilizar a emoção certa e as palavras adequadas, as possibilidades são infinitas, por exemplo... - Ela começa a observar aos arredores até encontrar uma rocha e sorrir. - Frigus: Pressura. - Um feixe de ar frio comprimido é liberado da mão da mulher e perfura a rocha, deixando um pequeno buraco nela. - Lembre-se o seu elemento inato não define como poderá usar a magia, ele apenas representa sua afinidade básica. Sabe, sua técnica de fogo e a nossa de gelo são opostas, mas é possível modificar as características do elemento sob as condições corretas. 

- Mas, Senhorita Mako, quais seriam essas "condições"? - O questionamento da garota faz Mako colocar a mão no rosto, procurando dar uma resposta satisfatória.

- Eu confesso que nunca descobri quais seriam elas, parece ser variada, encontrei pouquíssimas pessoas com a capacidade de mudar as características do elementos, e mesmo elas não sabem o motivo de terem conseguido.

 - Sabe, eu odeio o fogo, ele machuca aos outros e me faz lembrar de um dia triste e ainda é descontrolado. - Nanaki relata o que sente a Mako que apenas afaga a cabeça dela.

 - O fogo pode parecer isso, mas também em algumas culturas, o fogo representa a vida e a proteção. Assim como uma fogueira, o fogo pode se apagar se não for forte o bastante, mas se crescer com cuidado, pode manter as pessoas protegidas até mesmo dos invernos mais rigorosos. - Ela começa a explicar com cuidado para a filha a fim de ajudá-la a aceitar sua natureza. - Pode haver o lado destrutivo, mas quem decide como alimentar a chama é você, Nanaki. Se você não possuir medo ou ódio, conseguirá manter o fogo sob controle, e não machucar ninguém, porém cobseguirá ter força o bastante para proteger o que te é importante.

 - Senhorita Mako... eu consigo mesmo fazer isso? Criar uma chama que protege aos outros? - Os questionamentos da garota foram cessados por um gentil sorriso da mulher.

 - Com toda a certeza.

 Elas continuaram a conversar durante as aulas até o momento de voltarem até a casa, onde Mako decidiu dar um conselho à garota.

 - Sabe, Nanaki. Em algum momento, você pode encontrar situações desesperadoras ou difíceis de suportar, a vida é cheia de altos e baixos. - Ela fecha os olhos e cruza os braços enquanto conversa francamente com a filha. - Mesmo assim, você poderá superar tudo isso enquanto continuar com um sorriso no rosto. Nunca perca seu sorriso, se continuar sorrindo, não importa o quão árduo seja o caminho, alguma coisa boa vai acontecer.

- Por que tá me dizendo isso? - Nanaki fica confusa com a afirmação da mulher, uma vez que a expressão desta estava menos descontraída que o normal.

 - Não é nada. Só queria agir de um jeito um pouco mais maternal, para variar. - A expressão seria é desfeita e ela começa a rir.

 Após essa curta conversa, Yuugo e Yuuki chegam com algumas marcas de poeira em seus corpos, o homem ainda coçava a cabeça para remover o excesso de seus cabelos.

 - A Yuuki teve um pequeno descontrole de suas habilidades hoje, e como resultado a poeira das montanhas subiu e atingiu nós dois. - Yuugo tenta animar uma envergonhada Yuuki enquanto conta sobre o acontecimento.

 - A Yuuki fez isso? Que incrível! Nunca consegui fazer uma magia forte o bastante pra deixar uma área aberta empoeirada. - Nanaki fica admirada com o potencial da mais nova e então segura as mãos dela. - Você é fantástica, Yuuki.

 - Maninha... - Ela sorri brevemente, porém um som semelhante a um ronco reverbera pelo local. Todos ficam atentos, porém acabam notando que era a barriga de Nanaki.

 - Foi mal! - Ela faz uma feição boba, tirando a língua pra fora e fechando um dos olhos, arrancando risadas da família.

 - A essa hora, a janta já deve estar pronta. Vamos voltar para casa, as aulas de hoje devem ser o suficiente. A propósito, Yuuki, há algo que desejo discutir com você durante o jantar. - As afirmações do homem deixaram as garotas confusas e Mako com uma expressão de preocupação.

 A família volta para a casa, onde os serviçais já haviam terminado de preparar as refeições e todos sentam-se juntos à mesa. Ao começarem a comer, Yuugo direciona seu olhar para a filha mais nova.

 - Yuuki, você gostaria de uma professora particular para aprender a controlar melhor seu poder? -Essa pergunta súbita fez os sons de mastigação cessarem e os olhares de todas voltarem para o homem.

- O que quer dizer, papai? 

 - Bom, depois de hoje, eu notei que seu potencial está além do que qualquer um de nós pode ensinar. A professora é alguém de confiança nossa, creio que ela poderia te ajudar a nutrir suas habilidades. Porém, você teria que morar em outro lugar por um tempo

 - Mas, e a maninha? - Um tom triste e preocupado pôde ser ouvido da menor ao encarar Nanaki.

 - Estou procurando por alguém que possa ensiná-la também. Mas infelizmente, não conheço ninguém especializado nas técnicas de fogo. Nanaki possui um dom raro para esse elemento. Deve ser por causa da conexão entre as raposas e o fogo. - Após explicar isso, ele respira um pouco e volta a comer brevemente.

 - Yuugo, elas ainda têm apenas 13 e 9 anos, não precisam passar por isso ainda! - Mako repreende o marido que permanece quieto.

 - Por isso essa decisão é unicamente delas, não vou interferir em nada. Caso desejem continuar treinando conosco e morando aqui, não irei contrariar. Vou ficar muito feliz na verdade.

 Após a refeição terminar, Yuuki e Nanaki vão para tomar banho juntas enquanto o casal vai para o quarto.

 - Ah, tava tão bom, hã? - A garota já de roupa trocada após sair do banho, ouve sons de conversa oriundos do quarto do casal, sua curiosidade é tamanha que termina por espiar o que era dito.

 - Yuugo, elas são só crianças. Não quero que elas cresçam tendo esse risco em suas vidas! Só desejei que vivêssemos em paz como uma família. - A determinação misturada com tristeza fazia-se presente na voz da mulher, que apenas discutia com o marido.

 - Escute, Mako. Só precisamos que elas fiquem longe por um tempo. Assim, elas ficam seguras e não serão perseguidas por "eles". Não queria sugerir isso, mas a corrupção já criou raízes. - Sua voz estava triste e com resquícios de desespero, como se houvesse procurado muitas outras alternativas antes, porém sem sucesso. - Vocês são minha preciosa família, não quero perder nenhuma de vocês.

 - Maninha? O que faz aí? - Yuuki aparece atrás de Nanaki, assustando-a brevemente, porém sua boca é coberta e a mais velha faz um gesto de silêncio, permitindo à dupla permanecer ouvindo à discussão.


 - Yuugo, você tem certeza que os "Guardiões" estão vindo? Pode ser uma armadilha, nem sabemos como eles são, faz muito tempo desde que...

 - Mako, eu sei que tem sido difícil pra você. Mas aquelas crianças são o maior tesouro que você pôde me dar. Antes de você, tudo era o vazio. Por favor, deixe-me manter vocês seguras.

 - Yuugo... - Mako enxuga as lágrimas e abraça ao marido, quem estava completamente desolado ao ponto de ajoelhar-se no chão. - Tudo bem, mas vou pensar em outro plano também, não precisa carregar tudo sozinho, são nossas filhas afinal.

Após essa discussão, o silêncio reinou, Nanaki e Yuuki rumaram para seus quartos, ainda confusas sobre a conversa de seus pais.

 - "Guardiões"? São aqueles caras de olho brilhante? O que eles querem? - Yuuki ainda estava confusa por conta das estórias contadas pela "Fé da Luz Vermelha", principal religião do país onde estavam.

 - Eles são os caras maus, Yuuki. Querem estragar nossas vidas, pode apostar que não vou deixar. Não vou perder ninguém, eu vou ficar aqui e proteger nossa casa.

 - Mas, maninha... eu quero proteger vocês também... fico com medo de não conseguir te ver nunca mais. - As preocupações e incertezas na voz da mais nova não passaram despercebidas por Nanaki, que tenta motivar a garota.

- Então faça aquelas aulas particulares, Yuuki. Tenho certeza que você vai terminar elas rapidinho e vai voltar a tempo, vou proteger nosso lar junto do Senhor Yuugo e da Senhorita Mako. Quando voltar, vamos ter nosso tempo em família de novo. - Ela sorri para a menor, motivando-a.

- Maninha... é uma promessa! - Yuuki e Nanaki confirmam suas vontades e riem juntas até caírem em um sono tranquilo.

 Após essa conversa, Yuuki concorda em viajar para ter suas aulas particulares, recebendo um broche em forma de flocos de neve de Mako como presente para se lembrar de casa, enquanto Nanaki decidiu por permanecer junto ao casal e treinar por conta própria para proteger seu lar dos Guardiões.

 Apesar da distância, as irmãs trocavam cartas com frequência, contando seus acontecimentos do cotidiano, porém devido à distância, levava ao menos um mês para cada carta chegar. Em um dia fatídico, elas pararam por completo.

 Em um final do entardecer, Nanaki estava terminando seu treino diário para aprimorar sua magia, o brilho das estrelas iluminava a noite, porém ao pé da montanha onde ela mora, uma trilha de luz estava a se mover. A garota, ao notar isso, esconde-se para analisar de quem se tratava.

 -"Será que os guardiões finalmente decidiram invadir? Eu me preparei para esse dia... espera, não!" - Ao notar a cor das roupas e os cânticos que entravam durante o caminhar, ela logo nota. - É a Fé da Luz Vermelha, eles devem ter vindo ajudar! Preciso avisar ao Senhor Yuugo e à Senhorita Mako.

 Nanaki corre em direção à casa com um sorriso no rosto, crendo que sua vida poderia ter paz outra vez, porém tudo o que ouve são barulhos do chão sendo socado. Ela vê a porta do quarto de seus pais entre aberta e espia outra vez.

 - Todos os empregados foram evacuados, estão em um lugar seguro. Pedi para cortarem todas as conexões com a gente. - Mako afirmava com serenidade, porém ao mesmo tempo apresentava preocupação com seu marido. - Yuugo, você fez o que pôde, vamos mantê-las seguras, não importa como.

 - Mako... eu falhei, não me arrependi de ter amado você, nem de ter essa família. Mas tenho arrependimentos de não ser forte o bastante para protegê-las. - As mãos do homem sangravam enquanto eram seguradas pela esposa.

- Não precisa carregar tudo sozinho, já te disse. Eu vou te ajudar a proteger nosso maior tesouro, eles não vão matá-las. 

 - "Eles estão preocupados, será que não notaram a Fé da Luz vermelha chegando? Os Guardiões devem estar por perto também. Preciso avisar aos seguidores da Fé." - Ao ter esse pensamento, a garota sai da casa e começa a correr atrás do grupo de manto branco, acreditando que poderiam ajudá-la.

 - Irmãos, hoje é o dia de fazermos justiça em nome da Luz, um Guardião esconde-se nesse ambiente. Como todos sabem, eles buscam corromper nossas almas com sua técnica maligna, contudo nada temam, a Grande Criadora de Tudo nos deu as palavras antigai para purificar esses seguidores da Sombra. Viva a Luz!

- Viva a Luz! - Após todos os membros recitarem essa frase em coro, Nanaki aparece diante deles com uma expressão de alívio, atraindo a atenção dos presentes.

 - Graças a Luz que vocês apareceram, os Guardiões estão vindo invadir meu lar e meus pais estão...- Antes dela terminar sua frase, uma flecha voa na direção de Nanaki.

 - Você tem coragem de mostrar sua alma pútrida diante de nós, seguidora dos Guardiões. Como recompensa, iremos purificá-la para te guiar a salvação. - Com um sinal, vãrios membros da Fé começaram a recitar as palavras sagradas e apontaram para Nanaki, quem estava confusa com tudo isso.

- "Eles estão me confundindo com um Guardião? Por quê?" - Essa dúvida assolava a mente da garota, que ainda tenta dialogar. - Escutem, não estou com eles, eu só quero proteger minha casa! Por favor, parem!

- Ataquem! - Ao apontar para Nanaki, subitamente uma forte nevasca tem início, dissipando as magias dos seguidores. A garota havia desaparecido em neve. - Como suspeitávamos, há um Guardião aqui, peguem ele!

 Em um lugar próximo a casa, havia uma caverna escondida, coberta pela neve. A garota havia sido salva por duas figuras.

 - Que bom, que bom que conseguimos te salvar, Nanaki. - A voz masculina emitia um tom choroso e aliviado.

 - Yuugo, está apertando ela. Fazer essa fuga foi difícil, deve ter extraído muita energia dela. - A voz feminina repreende, revelando ser o casal Mako e Yuugo.

 - Senhor Yuugo, Senhorita Mako? Cadê a Fé? Eles vieram nos proteger. - A garota estava confusa e exausta, tentando entender a situação na qual se encontrava.

 - Nanaki, me escuta. Esse mundo está prestes a mudar, uma guerra vai ter início e nossos dias de paz vão terminar. Não queremos envolver você nisso.

 - Desse jeito, parece que estão se despedindo, parem com essa piada. - Ela começa a rir, mas logo nota o semblante triste no casal. - Não... não, a gente vai se separar? Por quê?

 - Pela segurança sua e da Yuuki, precisamos esconder vocês. Eles não vão parar até tirarem tudo o que amamos. Nanaki, você é nosso orgulho, nunca vamos esquecer o dia em que veio para nossa família.

 - Que conversa é essa? A "Fé" pode nos ajudar, basta explicarmos tudo pra ela e...

 - As coisas não são tão simples quanto parecem. Há muita podridão no mundo, queríamos te ver crescer em um lugar seguro, sem risco de perder a vida ou ter que lutar. Por isso, vamos te tirar de Raret.

 - Como assim? - Yuugo faz um gesto de mãos e o corpo de Nanaki começa a brilhar. - Esperem, por favor! Mamãe, Papai, eu não quero ficar sozinha de novo!

 Como último gesto de afeto, Mako abraça Nanaki e coloca um colar em seu pescoço, o qual possuía um pingente dourado que parecia estar sorrindo.

 - Finalmente nos chamou assim. Fomos pais muito felizes por termos todos filhas maravilhosas como vocês. Nanaki, nunca se esqueça de sempre sorrir, mesmo durante as situações mais difíceis, se continuar sorrindo... - Essas foram as últimas palavras ouvidas por Nanaki antes de desaparecer e surgir na Terra, onde tudo era desconhecido para ela.

 -... Algo bom acontecerá um dia. Se continuar sorrindo... - Ela sorri fracamente e começa a andar em meio à neve que caía sobre a cidade onde havia parado.

 Essas eram as memórias que assolavam a mente da garota, os últimos momentos em que encontrou seus pais foram dolorosos. Contudo, conhecer os irmãos Akame ajudou ela a superar isso.

 - Não consigo acreditar, mesmo vendo isso. Os Guardiões foram responsáveis pelo ataque da Luz Vermelha, tenho certeza disso. Mas o Kamui não é assim, mesmo sendo uma pessoa difícil, ele não é mau.

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