Capítulo 9: Inquisição

Após ter essa ideia, o garoto se levanta e direciona-se para fora do quarto, deixando a garotinha confusa, que puxa a manga do moletom de Kamui, encarando-o com uma feição de cachorrinho sem dono.

- Eu já volto, só vou pegar algumas flores pra você, relaxa, pirralha. - Ele suspira e depois força um sorriso que apareceu mais amedrontador que confortável e sai de lá.

Ao passar pela cantina, ele encontra Ellen que o olhou com a sobrancelha arqueada.

- Isso que é demorar no banheiro, venha me ajudar com o almoço e... - A mulher é ignorada por Kamui, que apenas continua andando em direção à saída.- Ei! Para onde está indo? Ainda deve pelos cuidados!

- Eu vou voltar, não me enche! - Ele grita enquanto se distancia aos poucos do orfanato, ainda concentrado em encontrar flores. - "Mas que droga é essa?! Por que eu tô me esforçando tanto por uma criancinha? Eu amoleci?! Aaaaaaaaah! Que saco! Não consigo pensar em nenhum motivo!" - Esse conflito interno era o que havia sido estabelecido em Kamui. O garoto que antes reclamava de simplesmente arrumar seu quarto a ponto de acreditar ser uma responsabilidade grande, agora estava tentando alegrar uma garotinha que nem conhecia.

Enquanto imerso em seus pensamentos, ele chegou em um belo campo aberto, próximo a uma floresta fechada. Nele, havia várias flores de aparências semelhantes àquelas presentes na Terra, porém com cheiros e cores distintas. O aroma das plantas adentrou nas narinas de Kamui e o fez, antes de perceber, começar a colher cada uma, independente de ser venenosa ou não. Entre elas, havia uma flor branca com pétalas longas que chamou a atenção do garoto, porém havia apenas 4 delas, que foram então pegas.

Após um tempo pegando elas, o garoto retornou para o orfanato e correu carregando uma montanha de flores nos braços, a ponto de algumas caírem enquanto ele avançava. Ellen observou aquilo completamente sem entender o que estava a acontecer.

- Eu disse que voltava, trouxe um montão de flores... e minha mão tá coçando. - Ele informa enquanto coloca as flores no chão, quando nota pequenas manchas  avermelhadas em suas mãos, coçando elas. Hikari encara todas as flores com os olhos brilhando e boquiaberta, mas logo se recompõe ao notar as manchas nos braços do garoto.

- Bem, essas flores roxas fazem coçar mesmo. Tem qui passá pomada. Ou usá essa flor vermelha onde dói. Já aconteceu comigo uma veiz, lembro da minha mãe colocá essa parte vermelha onde doía. - A pequena explicou de forma bastante precisa, o que surpreendeu Kamui, já que normalmente as crianças não são tão inteligentes assim, o que o fez questionar sua própria inteligência.

-"Sério, uma garota de sei lá quantos anos sabe tudo isso?! Qual é! É alguma piada?" - Ele ficou quieto por um tempo, passando as pétalas da citada flor em suas marcas de queimadura, até que a dor aliviou.

- Ei, pirralha, quero dizer, Hikari, tô te devendo essa. Eu ia ficar bem nervoso se continuasse a coçar. - Ele bufa um pouco e logo pega algumas das flores e começa a separá-las. - Vem cá, essas roxas coçam demais... isso é preconceito comigo, só porque curto roxo! - Ele reclama, conseguindo fazer a garotinha soltar uma leve risada. - Ah, então é assim que fica quando sorri. Combina um pouco mais contigo. - Kamui diz isso enquanto mostra à pequena como trançar as flores para fazer tiaras, embora atrapalhadamente.

Hikari coloca as mãos nas bochechas ao notar um pequeno sorriso em seus lábios, ela acreditava que nunca mais iria sorrir, nem uma simples risada. Ela encara Kamui e suspira um levemente.

- Sabe... eu tô aqui faiz 5 anos... eu tinha 3 quando cheguei... - Ela começa a juntar as flores e tenta fazer igual a Kamui, de início, não conseguia, porém melhorava a cada tentativa.

- Ah, então você tem 8 anos, é até que bastante inteligente pra sua idade. Mas não é sobre isso que tá falando, né? - Os dois começam a conversar, uma vez que a pequena Hikari havia se apegado a Kamui de uma forma misteriosa, a ponto de passar a confiar nele só de passar alguns minutos com ele.

- Meu pai é Mythis, mas minha mãe é Azaniana. - Essa palavra misteriosa chamou a atenção de Kamui, nunca havia ouvido essa palavra, nem quando Nanaki havia explicado sobre Raret a ele. - Eu não sei por que, mas deisde que nasci eu fui chamada de "aberração", diziam que eu não divia existir. - A expressão dela gradativamente ficava mais sombria e cabisbaixa, até que ela mencionou uma última palavra.-Meus pais... não existem mais. Eu só tinha 3 anos... quando perdi elis, me lembru bem do dia que... eles se foram na minha frente.- As palavras saindo quase sem força, as lágrimas escorrendo pelo rosto, porém uma expressão vazia, tudo indicava que a garota havia testemunhado um inferno.

Após notar isso, Kamui se aproxima da pequena e senta-se ao seu lado, afagando a cabeça dela até ela se acalmar, ele evitava olhar na direção da garotinha por não saber bem o que fazer em situações como essa. Cuidar de crianças sempre havia sido uma especialidade de Sanzashi, já que Kamui tendia a assustar elas sem qualquer intenção.

- "Mano, queria que o Sanzashi tivesse aqui! Ele ia saber o que fazer!" - Esses eram os pensamentos do garoto enquanto a menor ainda permanecia chorando baixo, quando Kamui enfim olhou para os olhos dela que estavam lacrimejados. O Akame apenas limpou algumas lágrimas das bochechas dela com os dedos e depois voltou a se virar.

- O irmãozão é gentil. - Ela diz baixo, mas não escapa dos ouvidos de Kamui, que apenas cora levemente com essa afirmação.

Após um tempo, Hikari enfim consegue se acalmar totalmente e continua a contar a sua história 

- A senhorita Ellen mi achô e deisde aqueli dia, eu vivo aqui. Ela se vestia diferente... acho que tinha umas roupas brancas estranhas. - Ela mencionou isso e o Akame ignorou esse detalhe, por não conhecer bem sobre as roupas desse mundo, porém o que não sabia era que esse traje era familiar para ele.

Os dois voltaram a fazer tiaras com flores, Kamui ainda não havia pego o jeito, a ponto de Hikari ter ficado melhor que ele. Ambos já haviam criado, juntos 15 unidades e continuaram ali por um tempo. Ellen estava observando tudo, pois ficou curiosa sobre o Akame ter agido de forma estranha, mas apenas sorriu e foi embora ao ver a interação da dupla.

Em outro lugar, havia uma bela igreja de tijolos pintados de branco e tecidos vermelhos preenchendo os espaços, dentro dela, enormes corredores se estendiam até uma estátua enorme em cor dourada, representando a luz e outras estátuas vermelhas menores representando seus Arautos.

- Zacharie, você não só falhou em sua missão de aplicar a punição divina contra as hereges, mas também perdeu o seu braço no processo. É uma pena, mas creio que não possa ocupar mais seu posto. O que nossos seguidores pensariam de um irmão incapaz de trazer-lhes segurança? A Seita cresce a cada dia e não podemos deixar que corrompam nosso povo. Entendeu? - Uma figura com um longo robe branco com detalhes em vermelho, com capuz cobrindo até seus olhos encarava ao homem que havia ido atrás de Nanaki, que estava ajoelhado e com uma expressão de remorso em seu rosto.

- Sim, Bispo. Mas eu gostaria de informar algo.

- Pode pronunciar-se, irmão, esta pode ser sua última palavra antes de ser expulso de nossa ordem. - Zacharie engoliu seco e seu rosto parecia bastante determinado, seus olhos verdes exprimiam uma silenciosa raiva que não era direcionada ao bispo, mas a fonte de sua derrota.

- Quando fui atrás da raposa, ela havia feito contato com um Guardião, alguém bastante perigoso que foi capaz de ferir meu braço. Eu o arranquei depois disso, o Guardião estava no outro mundo, mas não duvido que a Seita tente trazê-lo até aqui. Eu gostaria de poder ter uma redenção eliminando essa ameaça. - Ele explica enquanto abaixa a cabeça ainda mais, apenas passos de aproximação são ouvidos em meio a um silêncio avassalador.

A cada passo, Zacharie tornava-se mais inquieto, até que uma mão toca seu ombro e o som de passos cessam.

- Muito bem, garantirei a ti o direito de redenção. Mas enquanto não conseguir isso, ficará sob supervisão. - Ao mencionar essas palavras, o homem conseguiu recuperar um pouco do brilho nos olhos, que queimavam com desejo de vingança.

- Aceito as condições, o Guardião irá ser punido, senhor Bispo, pode acreditar. Essas existências que traíram os ensinamentos dos Arautos não podem andar livremente. 

- Por ora, você estará designado para o grupo de inquisidores do Cassius. Caso consiga cumprir sua redenção, talvez até receba uma posição superior a sua antiga. Temos altas expectativas em ti. - O bispo misterioso passa por Zacharie e sai do local, tudo que pode ser ouvido é o som da porta se fechando e o olhar do homem completamente cheio de ódio.

- "Kamui, não pense que terá paz agora! Eu sei que você já deve ter chego aqui em Raret, vou te encontrar e te perseguir até os confins desse mundo até que você experimente a mesma humilhação que eu!" - Esses foram os pensamentos de Zacharie antes de enfim se levantar e um bater de palmas sarcástico ecoar pela sala antes aparentemente vazia. - Então o senhor está aqui, Cassius?

Um homem de cabelos vermelhos, uma barba crescida e olhos castanhos, uma face que já apresentava uma certa idade e trajando o típico manto da Fé da Luz Vermelha. Ele se aproxima de Zacharie com um sorriso no rosto e coloca as duas mãos nos ombros dele.

- Sabe, meu caro Zacharie, não precisa se preocupar com nada, meu grupo irá recepcionar-te impecavelmente. Agora, ficarei como teu supervisor, pode crer que garantirei tua escalada de volta, abaixo de mim, é claro. - Seu sorriso forçado transmite dúvida a Zacharie, quem já havia notado as verdadeiras intenções do homem. - Mas não cheguei aqui apenas para cumprimentá-lo. Hoje, iremos partir em uma missão de subjugação, encontramos uma desertora que está a corromper crianças.

- Uma desertora? Não pode ser... aquela pessoa? Achei que ela havia sido morta em combate contra os demônios. - Zacharie aparentou estar curioso sobre o assunto. - Um grupo para subjugá-la, precisaria de muitos membros altamente capacitados, ela não seria alguém que seria derrotado facilmente.

- Observação bem precisa, meu caro. Mas não há necessidade de preocupação, identificamos modos de vencê-la sem perdermos muitos irmãos. Como membro de nossa equipe agora, peço que venha também. Dependendo de seu desempenho, posso relatar suas conquistas ao bispo.

- Muito bem, permita-me acompanhá-lo, irmão. - Zacharie abaixou a cabeça e Cassius sorriu de uma forma suspeita, o homem sabia quem seria o alvo e entendia o que devia temer, mas sua preocupação era pouca.

- Venha comigo, quando terminarmos essa missão, daremos um jeito nesse seu braço que está faltando. 

- Entendido. - Ambos partiram para juntarem-se ao grupo de subjugação, mas Zacharie apresentava outro tipo de pensamento. - "Não posso perdoar quem corrompe as crianças e jovens, a punição deve chegar. Mesmo que seja contra você."

Uma tormenta aproximava-se, porém, no orfanato, Kamui e Hikari ainda faziam pulseiras e tiaras de flores, despreocupados com tudo.

- Você melhorou muito, garota. - Kamui mostrou um leve sorriso, embora atrapalhado para a garota.

- Você e minha mãe têm o mesmo sorriso. Foi por isso que ti chamei de "mamãe" quando vi, desculpa. - Ela abaixou a cabeça para Kamui, que apenas ficou sem jeito.

- Calma lá, não precisa se desculpar por isso. Só fiquei surpreso, sabe? Não é todo dia que uma criança me chama assim já que, bem... Aaaaah, eu realmente não sei conversar com crianças! - Ele começa a bagunçar o próprio cabelo em desespero, conseguindo mais uma arrancar risadas da garotinha, quando um som ecoou pela sala. - Eita, a fome bateu aqui, foi mal. - Ele encarou a garota que também estava vermelha de vergonha. - Pera aí, você também? Beleza, vamo comer, a Ellen vai querer me arrebentar se eu demorar e... - A expressão do garoto muda de tranquilidade para desespero, começando a apertar a cabeça como se fosse arrancar os cabelos e os olhos parecerem que iriam sair do rosto. - Ah, merda... Eu esqueci que tinha que ajudar aqui! E fui rude com ela, ainda por cima! - Ele fica estático sentado no chão enquanto Hikari o encara com uma feição confusa.

- A Senhorita Ellen sabe, ela passô aqui. Ela tava sorrindo. - Quando a pequena mencionou isso, Kamui a encarou, ainda meio congelado, até que ela confirmou com a cabeça. - Tá tudo bem.

- Ufa, tô salvo! - Ele dá um suspiro aliviado enquanto se levanta, porém nota que Hikari ainda não apresentava sinais de querer sair do lugar. - Ué, você não vem, Hikari?

- N-não. Eu ia só incomodá todo mundo, eu não sô como eles. - Ela comenta isso e Kamui a encara com uma feição pensativa, mas logo a levanta do chão e a coloca sob seu braço. - Hã, hã?!

- Nem vem com essa! Vamo almoçar e vai ser agora, pirralha! - Ele sorri de uma forma sinistra, assustando a garota e pega uma das tiaras de flores que Hikari havia pego e sai correndo até a cantina, carregando Hikari e o item.

Todos estavam terminando o almoço, quando o som de passou fica mais alto e Kamui abre a porta do ambiente, quase arrombando a porta.

- Desculpa a demora! Tinha uma atrasada aqui, cadê a comida? - Ele grita deixando o ambiente desconfortável e Ellen chuta as costa de Kamui, quase o derrubando no chão.

- Que audácia a sua de aparecer assim, perturbando o almoço de todo mundo! Você realmente tá pedindo para levar uma surra! 

- Pera, pera, pera! Eu só tinha ido ajudar a Hikari com uma coisa. Ela disse que você viu, ué. Até trouxe ela aqui.

- Sim, eu tinha visto, mas isso não justifi... o quê? Você trouxe a Hikari? - Foi quando ela nota a garotinha sob os braços de Kamui e seus olhos lacrimejam. - Eu tava tentando fazer ela sair dali há anos, e você conseguiu em um dia?! Quem é você, afinal?

- Eu sei lá, nunca soube lidar com crianças. Ah, ela tem um presente pra você. - Kamui a coloca no chão e deixa a tiara de flores nas mãos de Hikari, que encarou Kamui confusa, já que a pequena não tinha pensado nisso. O garoto apenas a encarou e assentiu com a cabeça, a encorajando a fazer como dizia.

Hikari foi andando com receio até Ellen, que ainda não tinha entendido o que estava acontecendo. Ela sabia que Hikari gostava de flores, mas nunca pensou que ela faria algo assim.

- Pra senhora... bem... Obrigada por tudo. - Ela esticou a tiara até as mãos de Ellen, que começou a perceber o gesto da garotinha e agachou-se para ficar na altura dela. Hikari então coloca a tiara na cabeça da mulher, que começa a derramar mais lágrimas pela atitude. 

- Achei que você me odiasse, Hikari, nunca consegui me conectar contigo, desculpa por ser tão patética. - A menor apenas negou com a cabeça, segurando as lágrimas.

- Eu sou grata por sempre cuidá de mim, nunca odiei a senhora. - As duas se abraçam e as lágrimas caem pelos olhos de ambas e Kamui apenas encara aquilo e cruza os braços e desvia o olhar, quando seu aventalbé puxado pelas outras crianças.

- O monstro do quarto é bonzinho! - Elas começam a incomodar Kamui, que tenta escapar, porém é cercado pelo grupo.

- Qual é, eu só queria almoçar! Isso é uma sacanagem gigantesca! - Suas reclamações são ignoradas, uma vez que as crianças começam a perseguí-lo pelo orfanato.

- Você é uma garota tão boazinha, Hikari, tem outras tiaras assim?

- Bem... sim... eu tentei fazê pra todos. - Quando ela menciona isso, elas deixam Kamui em paz e cercam Hikari, começando a conversar com ela. Ellen encara Kamui caído no chão que apenas volta para o quarto de Hikari para trazer os outros enfeites de flores.

Todos ficaram surpresos com as cores e aroma das flores, os enfeites eram lindos, enquanto ela e Kamui faziam as tiaras, com o tempo, havia deixado de se limitar a apenas isso, surgindo pulseiras e colares também. Kamui encarou tudo aquilo encostado na parede e observava tudo aquilo com um pequeno sorriso nos lábios, Ellen notou isso e foi até ele.

- Vejo que alguém está de bom humor hoje, até sorriu. - Ela apontou, brincando com o garoto que desfez a expressão, arrancando uma risada da mulher. - Sabe, Kamui, eu gostaria de te agradecer. Faz muito pouco tempo que começou a trabalhar aqui e a Hikari se apegou a você muito rápido. Se não fosse você, não teríamos esse clima festivo aqui.

- Eu não fiz nada, só tava com fome e acabei levando a garota comigo sem notar. Não tem motivo pra agradecer. - Quando negava suas atitudes, Hikari se aproxima e o entrega uma pulseira com as três flores brancas que Kamui havia colhido. - Nossa, pegou essas aí porque combina com meu cabelo?

- N-não... é o significado, essa flor significa... "G-gratidão eterna". - Os olhos dela brilharam enquanto encarava Kamui, que apenas arregalou os olhos. - Muito obrigada, irmãozão.

Kamui havia congelado com essa demonstração de afeto da garota e logo esticou o braço e afagou a cabeça de Hikari, um sorriso misterioso e gentil surgiu nos lábios do garoto.

- T-tá, não tem de quê. Não me faz repetir isso, dá vergonha demais! - Ele cobre o rosto com o braço livre, por estar envergonhado, fazendo Ellen rir.

- "Espero que essa paz dure muito. É minha forma de compensar pelos erros cometidos." - Esses foram os pensamentos de alguém no ambiente, porém não havia como notar quem possuía eles.

Em outro lugar, um grupo vestindo seus trajes brancos marchava em meio a uma cidade com casas de telhados azuis, edificações coloridas e algumas decorações em tom dourado. No entanto, no meio do caminho, havia crianças brincando de pega-pega, uma delas esbarra em um dos sujeitos: Zacharie, a criança ao esbarrar, fica com medo, especialmente por manchar o manto dele.

- M-me desculpa, senhor, foi sem querer. - Ela abaixa a cabeça, esperando um tapa ou algo pior, mas apenas recebe leves toques em sua cabeça e olha para o homem que estava sorrindo.

- Não tem problema, se você tivesse caído, com certeza seria pior. Está doendo em algum lugar? - Ele pergunta, genuinamente se importando com o estado do garoto, que nega com a cabeça. - Ótimo, agora tomem cuidado por onde andam, está bem? Aqui. - ele tira um pequeno saquinho de dinheiro debaixo de seu manto. - Comprem um pouco de comida para vocês, não precisam devolver. - O garoto confirma com a cabeça e Zacharie ri um pouco. - Cuidem-se, que a Luz vos proteja.

Após as crianças se afastarem, o sorriso de Zacharie muda para uma expressão mais triste, como se algo estivesse faltando para ele.

- "Enquanto os inimigos da Luz continuarem nesse mundo, mais crianças irão sofrer. Mesmo que tenha de sacrificar alguns, não temo, desde que seja para garantir um futuro para elas, um futuro que você não pôde ter." - Esse pensamento foi solto enquanto ele encara um pequeno pingente que estava em sua mão, mas logo o guarda no bolso. - Perdão pela inconveniência, podemos continuar nossa marcha. Onde ela está escondida, afinal?

- Saberá quando chegarmos. Creio que levará uma semana, o elemento surpresa é nossa vantagem, não a subestimem. - Cassius diz suas ordens enquanto todos os membros confirmam em uníssono.

Alguns dias se passaram, e Kamui estava dentro do orfanato, conversando com Ellen. Ambos interagiam a respeito da falta de lenha para o lugar, já que não conseguiriam comprar mais, e a única forma seria pegar na floresta.

- Já sei, deixa essa comigo. Tem um machado por aí? - Ele diz confiante, deixando Ellen desconfiada, já que a aparência de Kamui não deixava crer que ele poderia carregar muitas toras. - É impressão minha ou você pensou em algo rude? Tipo, que eu não dou conta?

- É, foi isso que pensei, mesmo. Seus braços são finos e não parecem aguentar tanto peso assim. Aquela quantidade de flores era uma coisa, mas várias toras de madeira são outra história. - Ela afirma colocando a mão na testa e suspirando, mas o garota permanece irredutível.

- Só me passa o machado, vou mostrar que essas belezinhas aqui só estão com vergonha! - Ele diz apontando para a região dos bíceps, deixando a mulher ainda mais inquieta com a atitude do Akame.
- Tudo bem, pode ir. Tem um machado e um cesto no depósito, é só levar. Mas se for muito pra você, volte logo. E chegue antes do jantar, não posso fazer tudo sozinha por aqui. - Ela encara o garoto com uma expressão sinistra e Kamui concorda, suando frio. - Ótimo, até mais tarde!

Assim, Kamui saiu e rumou em direção a floresta que havia perto do campo onde havia colhido aquelas flores. Ele começou a bater na madeira até conseguir derrubar uma árvore pequena que havia ali.

- Quem não dá conta disso, hein? - Ele diz orgulhoso de apenas ter derrubado uma fina árvore de 3 metros como se houvesse feito o trabalho magistral e fazendo gesto de limpar suor. - Bom, vamos para as próximas. 

Ele continuou esse ritmo até que um grupo que andava pela mesma floresta passou por perto, uma das figuras notou os cabelos brancos e bagunçados e sua expressão mudou.

- Perdão, senhor Cassius, mas podem ir na frente? Eu tenho algo para resolver aqui. - Ele pede permissão para se afastar de seu supervisor que não entende bem a situação, porém concorda instintivamente. - Tem minha gratidão. - A figura sai correndo em direção a Kamui, espreitando os passos do garoto.

A luz do dia estava prestes a acabar, o orfanato estava em alvoroço por conta do horário do jantar. Hikari fazia mais alguns ornamentos de flores e ensinava às crianças mais velhas a como fazer. Mesmo assim, ela pensava frequentemente em Kamui, que já estava fora há 3 horas.

- Senhorita Ellen, o irmãozão ainda não voltou? - A preocupação na voz dela era óbvia, mas a mulher apenas abaixou-se e sorriu. 

- Fique tranquila, ele logo vai chegar. Só deve ter tentado fazer algo que não conseguiu e agora está insistindo até trazer a madeira. Deve voltar em pouco tempo, ele prometeu estar de volta até o jantar. - Ao mencionar isso, batidas são ouvidas na porta, fazendo as crianças se animarem.

- Vamos assustar o monstro do quarto! A gente abre a porta e pula nele! - Ellen apenas observa aquilo com um sorriso enquanto os pequenos se aproximam da porta, porém alguns instantes antes de abrirem, a expressão dela muda para desespero.

- Esperem, não...! - Antes dela terminar de formular a frase, a porta é aberta a força e um grupo de homens de capuz entra e começam a cercar as crianças e Ellen que coloca todas atrás de si. - Podemos ajudar? Somos só um humilde orfanato, mas podemos oferecer um pouco de comida.

- Poupe suas palavras, não vai escapar dessa tão fácil, "Senhorita Ellen", ou deveríamos te chamar pelo seu título, "Ellen a Punição". - A voz que havia emitido essas palavras surge em meio aos demais e fica em frente a mulher. - Há quanto tempo, irmã Ellen, sua deserção causou muitos problemas para nós. Espero que coopere a partir daqui, do contrário, teremos algumas... complicações. - Ele sorri de forma assustadora e Ellen o encara com uma expressão de repulsa e raiva, mas permanecia sem se mover.

Enquanto isso acontecia, Kamui havia derrubado a última árvore que restava e então notou o céu escuro, ficando com uma expressão de susto.

- Merda! Já anoiteceu tanto assim?! A Ellen vai me matar! Pera, se eu correr, dá pra chegar a tempo! - Ele se apressa para sair da floresta, mas quando estava prestes a sair de lá, um som estranho é ouvido.

- Supplicium: Catena! - Correntes são liberadas e prendem o Akame, que foi pego sem tempo de reagir. - Então era mesmo você, fiquei um bom tempo observando para ter certeza. Mas você veio a esse mundo, Kamui. - Uma figura que se espreitava nas sombras aos poucos se revelava, com apenas um braço a vista e com um manto branco cobrindo seu corpo. - Nunca pensei que minha chance de redenção viria tão cedo. A humilhação que sofri aquele dia, você sofrerá em igual valor! - Ele remove o capuz e revela-se ser Zacharie, o que faz Kamui arregalar os olhos.

- Não pode ser! Você! Você! - Ele tenta formular a frase com um tom de desespero, porém logo cessa e sua expressão passa a ser de confusão. - Quem é você mesmo? - Essa pergunta deixa Zacharie ainda mais irritado, a ponto de ranger os dentes.

- Eu sou Zacharie, membro da Fé da Luz Vermelha, aquele cujo braço você cortou. - Ele não consegue reação do Akame, que ainda fazia esforço para se recordar, quando um sorriso surge no rosto de Zacharie, que teve uma ideia. - Talvez aquela raposa te lembre de algo, fui eu quem havia ido atrás dela. Não estaria preso agora se não fosse por ela. 

Quando mencionou isso, Kamui se lembrou do homem e sua expressão mudou para uma raiva súbita, o que resultou nele se debater nas correntes que o prendiam, fazendo Zacharie suspirar, aliviado.

- Seu desgraçado, ainda não teve o bastante?! Vou te quebrar de verdade! 

- Não teria o mesmo valor aplicar a punição em você, se não se lembrasse do que fez. Enfim, é hora de obter a redenção, creio que começarei pelo seu braço. - Ele afirma e a corrente começa a puxar o braço esquerdo de Kamui, fazendo o Akame urrar de dor. - Por favor, detesto fazer isso demorar, permita-me encerrar sua dor rapidamente. - Ele estava prestes a matar Kamui, porém uma luz alaranjada no horizonte e fumaça no local desviou sua atenção.

Kamui notou o brilho alaranjado e começou a se questionar, já havia anoitecido, como estava claro naquela direção? Aquilo é fumaça? Mas aquela direção é... foram todos os questionamentos que surgiram na mente de Kamui, o desespero apenas se amplificou.

- "Aquilo, não pode ser, espero que as crianças dali tenham sido escoltadas em segurança. Nosso único alvo é a Ellen, afinal." - Suas preocupações são logo interrompidas por um som das correntes quebrando e Kamui correndo em sua direção com o seu olho azul brilhando, sua expressão de fúria era visível. 

O Akame pega rapidamente Zacharie pelo rosto e o arrasta pelo chão com toda sua força até jogá-lo contra uma árvore, derrubando-a no processo e deixando Zacharie inconsciente. Após isso, Kamui corre em disparada para a fonte do brilho e fumaça enquanto uma voz estranha ecoava em sua mente.

- "Tente correr, criança, será tarde demais de todo o jeito. Não conseguirá proteger nada, apenas destrua tudo, deixe o ódio entrar." - Foi tudo o que foi dito, porém o garoto apenas concentrou-se em chegar na cena, ignorando tudo o que fora dito.

No entanto, ao chegar lá, encontra o orfanato em chamas, gritos ensurdecedores vindo de dentro e sangue escorrendo, um grupo de pessoas em mantos brancos atacando uma pessoa que tentava a todo custo se defender. Ao ver essa cena, a visão de Kamui começou a ficar turva, tudo o que se ouviu após isso foi um grito altíssimo.

- Mas o que vocês tão fazendo?! Vão todos morrer! - Após isso, tudo ao seu redor começou a perder seu colorido, foi quando o grupo de Inquisição notou a presença do garoto e tudo o que sentiram foi uma presença sinistra ao invés de sua aparência. Como se estivessem contemplando a própria morte diante de seus olhos.

- Ka...mui, não venha... as crianças... estão em perigo. - Essas foram as palavras de Ellen antes de cair. O que aconteceria naquela noite, mudaria completamente a concepção de mundo de Kamui. Não haveria escapatória da verdadeira face de Raret.



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