Capítulo 2: Vínculos
O dia estava frio, porém não havia indícios de que nevaria, no entanto, pequenos flocos de neve caíram em uma das entradas da cidade, em meio a eles, uma figura com roupas pesadas cor de rosa, um gorro violeta e uma presilha em forma de floco de neve anda em meio às ruas vazias, ela sentia que estava perto de seu objetivo, porém não sabia o lugar exato.
- Onde você está, minha irmã? Eu consigo sentir que está em dificuldades, quero te ajudar. - A garota continua a vagar enquanto seus olhos rosados continuam a procurar pela irmã.
Enquanto isso ocorria, Kamui e Nanaki ainda discutiam sobre a irresponsabilidade do garoto, totalmente desatentos do que estava se montando ao seu redor.
- Qual é, Nana. Diz aí o motivo de terem estado tão calmos. - Ele ainda insistia em tentar fazer ela dizer o que pensava, mas as tentativas eram em vão.
- Mesmo que eu diga, você não vai entender, sabe? Afinal, esse tipo de coisa não entra na sua cabeça.
- Tá me chamando de cabeça oca? - Kamui indaga, incrédulo com a atitude da amiga.
- Eu não disse isso, mas se você entendeu assim, não posso fazer nada. - Ela diz em um tom de zombaria e começa a rir, o que confunde o outro.
- Tá rindo do que? Vamos resolver isso na mão. - Ele estava determinado a brigar com a garota até ela o encarar com uma lágrima oriunda dos risos nos olhos.
- Foi mal, é que brigar assim é tão típico da gente, faz quanto tempo desde que a gente se conhece? Uns 6 anos? - Ela começa a limpar os olhos e consegue arrancar uma risada fraca de Kamui. - Viu? Você consegue sorrir normalmente se tentar.
- É, como posso dizer. Nana, por algum motivo, eu consigo ser mais sincero com você por perto, acho que deve ser porque me sinto confortável. - Ele afirma e logo desvia o olhar e começa a olhar para a paisagem da cidade durante o crepúsculo, e Nanaki, após ouvir isso apenas sorri e volta seu olhar para o mesmo lugar.
As memórias de como se conheceram começaram a aparecer em suas, a forma como suas vidas estariam ligadas em um vínculo totalmente incomum.
Era uma noite fria, com neve a cair e acumular nas estradas, uma garota em seus 14 anos estava com as roupas totalmente em trapos, a única coisa valiosa que ela carregava era um colar dourado que ela protegia com sua vida. Não possuía lugar para ir ou voltar, apenas vagava pelas ruas da cidade, com a intenção de viver. Apesar dessa situação difícil, uma característica peculiar estava presente em seu rosto: um sorriso. Não faria sentido algum sorrir em um momento com aquele, mesmo assim, ela permanecia dessa forma.
- Continue sorrindo, mesmo que tudo pareça difícil, se continuar assim, algo bom pode acontecer um dia. - Ela repetia essa mesma frase incontáveis vezes, talvez para manter o otimismo, talvez porque era a única forma de manter a sanidade, o motivo não era claro.
De repente, a visão começou a escurecer e um som abafado pela neve ecoou, tudo que pôde ser percebido foi o frio da neve a envolver o corpo da garota.
Ao mesmo tempo, uma pessoa andava, manchando o branco com um vermelho que escoava de seus punhos, uma figura de cabelos que poderiam se misturar a neve e um uniforme colegial masculino preto aberto andava com um rosto de raiva.
- Não acredito que tenho que falar com o Sanzashi só porque encheram meu saco com aqueles idiotas. Não é culpa minha se me chamaram de fracote. - Ele falava sozinho, tentando indicar que é o certo da situação.
As gotas que caíam na neve não pertenciam ao garoto, mas às pessoas em quem ele bateu. Seu mau humor aumentava à medida que se aproximava de casa. Mas, subitamente, ele para de andar e olha para um corpo no chão. Ele olhou para os lados, confuso se aquilo era um truque ou uma situação séria.
- Nessas horas, alguém já teria tentado me atacar, acho que eu deveria chamar a ambulância ou algo assim. - Ele tira um celular antigo do bolso, e nota que ele estava descarregado. - Maravilha, agora deu ruim. Bom, se eu ignorar, não tem ninguém aqui pra me julgar. - Ele anda reto por alguns momentos, mas logo realiza um retorno e volta a olhar para o rosto da garota, uma expressão indecifrável aparece.
- Mas que droga! Por que vocês tinham que se parecer tanto? - Ele diz isso, agacha em pega a pessoa em seus braços, depois sai andando em direção a sua casa.
Ao chegar, seu irmão já estava lá, quando a porta se abre, ele fica surpreso ao ver uma garota nos braços do mais novo.
- Acho que entendi, entre logo, do contrário, ela vai congelar - Eles passaram a noite tentando mantê-la aquecida, até às 2 da manhã.
Quando amanhece, a garota abre os olhos lentamente e estranha o teto, uma vez que não se recordava onde havia desmaiado. Ela levanta lentamente e nota uma figura de longos cabelos brancos de costas.
- Bom dia, então você acordou. Fiquei surpreso quando o Kamui te trouxe aqui ontem, não é do feitio dele ter esse tipo de atitude. - Ele fala calmamente, sem desviar a atenção da cozinha por estar preparando o café da manhã.
- Hã, com licença. Onde eu tô? Quem é você? - Ela pergunta um pouco recuada, observando cada ação do homem.
- Ah, perdão pela falta de cortesia. Meu nome é Sanzashi Akame e essa é a casa onde meu irmão e eu moramos. Não se preocupe, você está intacta, apenas cuidamos de seus ferimentos leves e garantimos que você ficasse aquecida até acordar. - Sua expressão não mudava independente do que dissesse, porém sua voz trazia calmaria para o coração agitado da garota. - Posso saber seu nome, jovem dama?
- Jovem dama? - Ela pareceu desconfiada com a escolha de palavras de Sanzashi e deu mais alguns passos para trás.
- Desculpe, eu estou treinando meus elogios, comecei a trabalhar em um host club recentemente e estou tentando identificar a melhor forma de tratar uma dama.- Ao explicar, ele volta a encarar a garota.- Como posso te chamar?
- Nanaki...- Ela menciona seu nome com um pouco de receio.
- Você deve estar com um pouco de frio, pode usar o nosso banheiro e tomar um banho, isso pode te ajudar a se aquecer. Não se preocupe com as roupas, pode usar algumas do Kamui.
Nanaki, sai de perto de Sanzashi com cautela,sempre mantendo contato visual enquanto abre as portas, procurando pelo banheiro. Dentro dali, ela entra sob o chuveiro e água quente começa a descer.
Na cozinha, Sanzashi terminava de arrumar a refeição, quando seu irmão sai do quarto.
- Bom dia, Kamui. A nossa convidada acordou, no momento ela está usando o chuveiro. Poderia pegar roupas para ela usar?
- Pera aí? Por que eu? - Ele pergunta indignado com o pedido de Sanzashi.
- Bem, minhas roupas são grandes demais para ela, e como as suas são elásticas, não vai ter tanto problema.
- Ah, tá, tá. Vou pegar, que chatice. - Kamui volta ao seu quarto e pega uma muda de roupas, que eram todos moletons pretos.
- Ainda não sei o porquê de você só ter esse tipo de roupa. Há outras opções mais baratas que isso. - Sanzashi questiona as escolhas de design do irmão que apenas o encara e bufa.
- Não me enche, eu gosto mais assim. - Ao bater na porta, o garoto avisa à Nanaki que deixaria as roupas em frente a porta e partiu para a cozinha.
Alguns minutos se passaram e Nanaki aparece usando as roupas que o Akame mais novo havia dado a ela, porém ela possuía uma feição distante.
- Obrigada por me deixarem tomar banho... mas, por que vocês estão sendo tão gentis assim? Não há nada a ganhar ajudando uma estranha como eu.
- Ai que saco, melhor ficar de bico fechado, apenas aceita que foi salva. Detesto gente assim. - Kamui se pronuncia de forma ríspida, seu olhar era bem agressivo, assustando Nanaki.
- Kamui, não fale assim. Você estava bem preocupado ontem. - O comentário do irmão fez Kamui virar o rosto enquanto estala a língua. - Não ligue para ele, apesar da aparência, há um bom coração nele. Você estar aqui é prova disso.
- Tá, obrigada...- A fala receosa de Nanaki inicia um silêncio angustiante, porém um som semelhante a um ronco desfaz a tensão.
- Parece que você está com fome. Há quanto tempo não se alimenta?
- Bem... acho que há alguns dias. Talvez uma semana? - O rosto dela estava confuso ao mesmo tempo que vermelho de vergonha.
- Entendo, deve ter enfrentado muitas dificuldades. Sente-se, eu fiz um café da manhã leve, mas tente comer devagar, do contrário, pode passar mal. - O mais velho convida Nanaki a participar, o que ela aceita relutantemente.
Quando a comida chega, a garota permanece encarando as porções, com medo de comer e estarem envenenadas. Porém Kamui usa seu hashi e pega um pedaço do peixe de Nanaki e o come, apesar de ainda haver muitos pedaços do lado dele.
- Kamui, não aja dessa forma, ela é nossa convidada. - Sanzashi repreende o irmão que apenas mexe os ombros.
- Tanto faz, se não vai comer, eu como. Afinal tudo o que meu mano cozinha é gostoso e seguro. - Foi quando Kamui diz isso que olhos de Nanaki se voltaram para ele.
- "Ele notou que eu tinha medo de comer? Como?" - Eram esses os pensamentos que apareciam na mente da garota, porém a fome acabou a vencendo e ela começou a mastigar o café da manhã lentamente, como havia sido instruída.- Que delícia. É muito gostoso. - De repente gotas começam a cair na mesa, deixando Nanaki confusa até ela tocar o rosto e perceber.
- Ué? Tá chorando porque? Dor de barriga? - Kamui a encara, confuso pela reação dela.
- Kamui, ela com certeza passou por muita coisa, ela não comia há um tempo, deve ser isso. - Sanzashi explica para o irmão que apenas volta a comer.
Após terminarem a refeição, Nanaki permanece cabisbaixa e quieta, até o Akame mais velho perguntar a ela.
- Então, o que planeja fazer agora? Sabe onde seus pais ou responsáveis estão? Pode ser difícil para uma garota da sua idade vagar sozinha.
- ...Não sei... - Apenas essas palavras saíram da boca dela, o que fez Sanzashi ficar pensativo.
- Entendi, devem ter passado por uma separação. Não se preocupe, acho que se te levarmos até a polícia, poderemos encontrá-los. - Ele sugere, porém não há mudança no semblante da garota. - Basta acreditar, sei que vai dar tudo certo.
Essas palavras foram capazes de mudar a expressão distante dela, quem finalmente conseguiu sorrir. Deixando Kamui surpreso.
- Olha, então você faz esse tipo de rosto. Parece o sorriso de quando te vi na neve, mas sinceramente, esse combina mais. Não sei a razão.
Com um sorriso no rosto, a relação dos três começou, a esperança permaneceu no coração de Nanaki graças aos irmãos com quem ela formou um vínculo.
As buscas policiais infelizmente não deram resultado, o que resultou na garota morar com os irmãos até completar 15 anos. Apesar das dificuldades financeiras em manter os três, Sanzashi fez o possível para estabilizar a residência.
- Feliz 1 ano aqui, Nanaki. - Sanzashi e Kamui aplaudiram a garota que estava morando com eles há um ano desde que foi achada na neve.
- Obrigada, eu me pergunto sempre se isso tudo é um sonho, naquele dia, achei que iria morrer.- Ela dizia com um sorriso no rosto e lágrimas de felicidade rolando no rosto.
- Você tava sorrindo naquele dia, era totalmente forçado. Eu ainda não entendo o motivo. - Kamui a encara em uma feição de dúvida, até que Sanzashi bate na cabeça dele. - Ai! Essa doeu, mano!
- Já não havíamos combinado de não perguntar detalhes do passado a ela? Não podemos deixá-la desconfortável. -O mais velho repreende seu irmão, enquanto volta a encarar Nanaki. - Tem certeza que deseja morar sozinha?
- Sim, agora eu posso pelo menos trabalhar meio período, não quero me sentir abusando de vocês. Obrigada mesmo pelo último ano. - Ela faz uma reverência e apenas recebe um peteleco na cabeça, onde ela coloca as mãos.
- Qual é?! Acha mesmo que é incômodo? Vou te falar a verdade, essa atitude sua me irrita demais. - Kamui a encara com uma expressão antipática, Sanzashi tenta repreender o irmão, mas é cortado. - Amigos não são incômodos uns aos outros, você pode pedir nossa ajuda a vontade, nem pensa em se despedir como se fosse pra sempre, se não eu vou te socar. - Essas são as palavras que saem da boca do garoto, o que deixa Nanaki totalmente surpresa.
- Você não é muito honesto, é Kamui? Apenas diga que não quer ficar longe dela. Por que adolescentes precisam ser tão complicados? - Ao mencionar isso, o rosto de Kamui começa a ficar vermelho de vergonha e ele começa a tentar agredir ao irmão.
- Eu também não quero ficar longe de vocês. São as primeiras pessoas que foram tão gentis comigo em muito tempo, se eu pudesse, ficaria com vocês para sempre. - A última parte sai em um tom inaudível para os irmãos, que apenas sorriram, cada um a sua maneira.
No dia da mudança, Kamui ficou surpreso ao notar que Nanaki havia se mudado para uma pensão mais barata que a deles, a poucas quadras de onde eles moram.
- Esse lugar não tá meio detonado não? Parece um pouco quebrado. - Ao mencionar isso, Nanaki apenas bate nos ombros do amigo enquanto sorri.
- Relaxa, eu não me importo com isso. Desde que eu tenha um lugar pra ficar, não vou reclamar. Eu consigo pagar o aluguel e ainda consigo juntar um pouco de dinheiro. Não posso depender de vocês o tempo todo. - Ela diz enquanto ruma em direção ao apartamento. O lugar possuía uma estrutura simples, levemente envelhecida, porém os quartos todos estavam em perfeito estado. Não havia banheiro, porém existia uma casa de banho por perto.
- Kamui, você percebeu que a Nanaki parece um pouco com a... - Sanzashi tenta se pronunciar até notar uma feição diferente em seu irmão. Seus olhos pareciam tristes, mas havia nostalgia misturada com a tristeza.- Não é nada.
Com um vento que trás lembranças, as memórias terminaram enquanto a dupla se encara e apenas sorri.
- As coisas mudaram bastante, não pensei que ia te conhecer de uma forma tão bizarra. Mas ainda não entendo: Por que me ajudou naquele dia? Você não precisava ter feito tudo aquilo. - A curiosidade de Nanaki ao perguntar deixou Kamui confuso, afinal ele sempre evitava esse tópico.
- Eu preciso mesmo falar? Não dá pra acreditar que fiz porque era a coisa certa? - Ele tenta disfarçar e mudar de assunto, porém é em vão ao notar que sua amiga continuava a encará-lo.
- Eu conheço você bem, não é do tipo moralista. - Ao ser repreendido pela amiga, Kamui suspira e decide contar a ela seu motivo.
- Tudo bem. Sabe, na verdade...
A explicação de Kamui estava prestes a iniciar, porém ao longe uma figura encapuzada surge e um sorriso cínico aparece em seus lábios.
- Encontrei você, herege. Iniciar o extermínio, Supplicium: Laceratio. - Ele menciona palavras em outra língua e faz um gesto de corte horizontal com as mãos, um leve estalo de vento pode ser ouvido e, de repente, tudo que estava a frente daquela figura é cortado.
Uma ameaça invisível se aproxima dos dois, porém, subitamente, Nanaki pula em Kamui e ambos saem dos balanços.
- Ai! Por que fez isso? - Antes de poder ficar indignado, o balanço é cortado sem qualquer aviso prévio.
- Fica abaixado, Kamui. Espero que não sejam problemas. - Nanaki se levanta e começa a procurar a fonte do ataque, até que a pessoa misteriosa aparece a frente dela. - Um membro da Fé da Luz Vermelha? Por que está aqui?
Um dedo é apontado para Nanaki vindo desse membro da misteriosa ordem, ele abaixa seu capuz, revelando um homem de cabelos castanhos e olhos esverdeados.
- Meu nome é Zacharie, aquele que será seu algoz, raposa herege. Investigamos você, sua convivência com praticantes das artes proibidas coloca você entre os principais suspeitos. Prepare-se para ser eliminada em nome da "Luz".
- "Raposa,hereges,Luz, o que tá acontecendo aqui? Droga, não consigo mexer o meu corpo, o que aconteceu comigo?"
- "Desculpa, Kamui. Eu não sei o motivo deles estarem aqui, mas não posso deixar você se machucar, espero que a 'magia' dure tempo o bastante." - Nanaki encara Zacharie e o questiona. - Eu? Uma herege? Que história é essa? Eu não uso nenhuma técnica proibida.
- Vai se fingir de inocente? Ótimo, que comece a Inquisição, Supplicium: Gladius.- Ele fala algumas palavras e passa uma mão na outra, criando uma estranha energia ao redor da esquerda, criando uma espécie de lâmina ao redor da mão e corre em direção a Nanaki, quem não vê outra escolha a não ser assumir uma postura de luta
- Me desculpa, Kamui. Há muita coisa que escondi de você. Foi bom enquanto durou... - Ela encara o amigo brevemente e vira o rosto, com lágrimas no rosto. - Nova Vita: Revelare. - O corpo de Nanaki é envolto em chamas, elas assumem a forma de uma raposa e logo se dissipam, mostrando que o garota agora tinha orelhas e uma cauda de raposa, seus olhos amarelos agora possuíam pupilas em forma de fenda.- mas acho que agora nós vamos nos separar. - Ela corre em direção a Zacharie, para proteger-se.
Tudo o que pôde ser ouvido foi
um silêncio súbito que pressentia um estrondo, o qual foi o suficiente para disparar alarmes dos carros. Um vínculo criado pelo acaso teria encontrado seu ponto de ruptura?
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